País já enfrentou mais de 190 tentativas de mudar governos
à força desde a sua independência, em 1825
A tentativa
de golpe de Estado observada na quarta-feira (26/6), na Bolívia, é
mais um capítulo de uma turbulenta história política no país sul-americano,
marcada por uma sucessão de motins militares que se repetem desde 1964. Alguns
especialistas afirmam que a Bolívia já enfrentou mais de 190 tentativas de
golpe e revoluções desde a sua independência em 1825, num ciclo repetitivo de
conflitos entre as elites políticas urbanas e os mais pobres mobilizados pelo
setor rural.
Desde a sua independência, a história da Bolívia tem
registrado uma série de ditaduras militares e civis, triunviratos, conselhos
governamentais, presidentes que não completaram os seus mandatos e dezenas
de golpes de Estado, isso sem falar nas revoltas militares
frustradas.
Ainda assim, o ex-presidente Carlos Mesa (2003-2005), em
seu livro “Presidentes da Bolívia, entre urnas e fuzis”, garante que sua nação
não foi vítima de tantos golpes de Estado como se acredita no exterior. Segundo
Mesa, a cifra de quase 200 golpes que costuma ser citada é “absolutamente
arbitrária”. Ele especifica que o país teve 37 governos, dos quais, a rigor, 23
foram decorrentes de golpes “na sua concepção convencional”, isto é, com a
derrubada de um governante.
Ao longo da história, o país possui uma lista de golpes emblemáticos. Em 1930,
o presidente Hernando Siles deixou o cargo para o seu gabinete de ministros,
num governo que durou apenas 30 dias e foi derrubado. Já a primeira mulher a
presidir a Bolívia, Lidia Gueiler, assumiu o governo em 1979 como chefe da
Câmara dos Deputados, após o fracasso do golpe sangrento do general Alberto
Natusch Busch. Um ano depois, ela seria deposta por outro general.
Outro governante, o tenente-coronel Germán Busch, herói da
Guerra do Chaco (1932-1935), cometeu suicídio em 1939, enquanto Hernán Siles
Suazo foi sequestrado por dez horas em 30 de junho de 1984 por um grupo armado
que planejava um golpe de Estado.
Episódios mais recentes
Em 2003, o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada renunciou,
sendo sucedido por seu vice, Carlos Mesa. Após assumir o cargo, Mesa, por sua
vez, acabaria renunciando três vezes, com a última renúncia sendo aceita pelo
Congresso em 9 de junho de 2005.
Na época, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Eduardo Rodríguez, assumiu o governo com a tarefa de realizar as eleições
gerais, vencidas em dezembro de 2005 por Evo Morales.
Em 2013, o Tribunal Constitucional abriu caminho para que
Morales concorresse a um terceiro mandato, sob a avaliação de que o primeiro
mandato do governante não contava, dado que o país foi refundado como Estado
Plurinacional em 2009.
Em setembro de 2015, o Parlamento
boliviano aprovou uma emenda constitucional para permitir que Morales
concorresse à reeleição, mas ela foi rejeitada em referendo em 21 de fevereiro
de 2016.
A despeito da decisão, Morales concorreu como candidato a
uma reeleição inconstitucional em 2019. Em 20 de outubro de 2019, dia seguinte
ao pleito, suspeitas de fraude levaram à eclosão de protestos em massa.
Apesar de autoridades eleitorais locais terem declarado a
vitória a Morales, uma auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA)
revelou “graves irregularidades” durante as eleições. Em 10 de novembro daquele
ano, por pressão das Forças Armadas, Morales apresentou então sua renúncia,
deixando o país no dia seguinte e denunciando um golpe de Estado.
Em 12 de novembro de 2019, a senadora da oposição Jeanine
Áñez, do Movimento Social Democrata, tomou posse como presidente interina da
Bolívia com a promessa de convocar novas eleições em meio a um caos crescente,
com confrontos violentos que deixaram mais de 30 mortos e centenas de feridos.
Eleição de Arce
Inicialmente convocadas para maio de 2020, as novas
eleições tiveram que ser adiadas devido à pandemia de covid-19. Foi só em 18 de
outubro de 2020 que Luis Arce – aliado de Morales e candidato do Movimento
para o Socialismo (MAS) –venceu as eleições presidenciais com 55,1% dos votos.
Ele assumiu o cargo em 8 de novembro.
Em março e abril de 2021, foram realizadas eleições
subnacionais (regionais e municipais) nas quais o MAS perdeu terreno e ganhou
apenas três dos nove governadores.
Também em março de 2021 foi detida a ex-presidente Jeanine
Áñez, que no ano seguinte (junho de 2022) seria condenada a 10 anos de prisão
por incumprimento de deveres e resoluções contrárias à Constituição quando
assumiu o poder em 2019.
No final de 2020, Evo Morales regressou ao país e começou a
recuperar sua importância política, ao mesmo tempo em que aumentavam as suas
divergências com Arce. Essas diferenças dividiram o MAS entre “evistas” e
“arcistas”.
Em setembro de 2023, Morales anunciou sua candidatura às
eleições presidenciais de 2025. Em dezembro, porém, o Tribunal Constitucional
Plurinacional (TCP) da Bolívia emitiu uma decisão anulando a possibilidade de
reeleição por tempo indeterminado, o que implicaria sua desqualificação como
candidato.
Já em 2024, seguidores de Morales e Arce convocaram dois
congressos do partido. O primeiro, em maio, promovido pelos “arcistas”, excluiu
Evo Morales da liderança e nomeou Grover García como novo presidente, embora o
Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) tenha rejeitado o referido congresso e mantido
Morales como líder da legenda.
Por Metrópoles