“Despertou em mim o interesse que jamais
tinha perdido. Terminei o ensino médio há 12 anos atrás e eu não tinha mais
essa expectativa de cursar uma faculdade, mas isso, através do projeto, vai
despertando o interesse. E isso faz com que a gente comece a desenvolver um
projeto novo para as nossas vidas”.
O relato é de M.G.S, de 34 anos, que cumpre
pena na unidade prisional Manoel Neri da Silva, em Cruzeiro do Sul, e se
beneficia do Projeto Presídios Leitores, que usa a leitura como principal linha
de transformação social, e tem gerado resultados positivos para o Instituto de
Administração Penitenciária do Acre (Iapen), principalmente nas notas obtidas
no Enem para pessoas privadas de liberdade (PPL) 2023.
Ter acesso a livros dentro da penitenciária,
para ele, reacendeu uma paixão que até então tinha esquecido que nutria. A nota
dele foi de 580 na redação e ele faz planos com o resultado. O que ele pensa
para o futuro? Conseguir uma vaga no ensino superior e mudar seu destino
através da educação oferecida em um momento difícil da sua jornada. “Estou na
expectativa de que essa média dê para alcançar uma vaga na universidade”,
planeja.
Implantado em 2021 como projeto piloto da
unidade prisional Manoel Neri da Silva, em Cruzeiro do Sul, o
programa Presídios Leitores incentiva a leitura dentro das unidades prisionais e
anda de mãos dadas com a ressocialização daqueles que cumprem penas nas
unidades do estado e que sonham em serem reintegrados na sociedade.
A média nacional da redação nessa modalidade
foi de 641,6 pontos e, no estado, a maior nota foi 700, segundo a Divisão de
Educação Prisional do Iapen.
O projeto é uma parceria entre a Universidade
Federal do Acre (Ufac) e o Iapen, e teve seu início em Cruzeiro do Sul, mas foi
expandido para Tarauacá e este ano deve chegar também em Rio Branco e Senador
Guiomard.
Para quem está cumprindo pena, ações como
essa dentro das unidades oferecem uma oportunidade que muitas vezes não foi
possível ter fora do sistema prisional. É o caso de A.C.Z, de 25 anos, que
cumpre pena no presídio de Cruzeiro do Sul. A nota na redação foi de 660 pontos
– acima da média nacional e ele fala da importância desse resgate feito por
meio da educação.
“O projeto nos beneficia não só com remição
de pena, mas também pela questão do conhecimento a partir da leitura, quando a
gente consegue ir desenvolvendo o nosso conhecimento para fazer as redações do
Enem. Considero uma boa nota, e isso só foi possível devido a esses projetos,
porque lá fora a gente não tinha tempo pra fazer o que a gente faz hoje”, diz.
Pilar da ressocialização
A chefe da Divisão de Educação Prisional do
Iapen, Margarete da Frota Santos, explica que o projeto tem dado bons frutos e
tem dado uma nova perspectiva de vida aos reeducando.
Em Cruzeiro do Sul, berço do projeto, seis
presos estão cursando o ensino superior. Este ano, todas as unidades prisionais
tiveram um reforço no preparo para as provas com o recebimento de 535
kits pré-Enem na primeira quinzena de setembro.
Para ela, o ponto de partida para a
reintegração desse indivíduo na sociedade é a conscientização e a qualificação
dele para enfrentar futuramente o mercado de trabalho e os desafios impostos
após ter cumprido sua pena.
“A educação tem um papel fundamental na
prevenção do sujeito de ingressar no mundo do crime e é um dos pilares no
processo de prevenção da reincidência. Um sujeito sem escolaridade, como vai
ter oportunidade de trabalho, como vai se colocar no mercado de trabalho? Você
imagina o sujeito que em algum momento da vida desistiu desse processo”,
avalia.
Alguns chegam nessas unidades sem mesmo saber
escrever ou ler. Margarete destaca ainda que é nesse resgate que o projeto tem
trabalhado: educação e qualificação para que realmente essa mudança seja
efetiva na vida daqueles que hoje cumprem pena.
“Além de ter escolaridade, ele precisa de
qualificação profissional, porque é isso que vai dar autonomia. Depender de
emprego para quem passa pelo processo de prisionalização é muito complicado,
então, ter autonomia de voltar a gerar renda é muito importante”, afirmou.
Liberdade pela leitura
O projeto é uma parceria entre a Universidade
Federal do Acre (Ufac) e a direção da unidade de Cruzeiro do Sul. Maria José
Morais, professora e pesquisadora da Ufac, coordena as ações e reforça que
somente através da educação é possível dar ao preso à liberdade, não só a
física, mas principalmente a intelectual.
“O slogan do programa é a liberdade passa
pela leitura, nós cremos piamente que a liberdade passa pela leitura e isso não
se restringe a quem está preso no presídio, mas a liberdade no sentido mais
amplo. Nós precisamos de um Brasil que forme leitores, que se preocupe com a
formação de leitores e isso não tem sido uma prioridade no Brasil, do programa,
que tenta contribuir para a formação de leitores dentro do sistema prisional.”
Vanila Pinheiro, coordenadora Técnica e
especialista em execução penal no presídio de Cruzeiro do Sul, destaca que a
unidade tem sido uma referência de como esse projeto dá certo.
Pela resolução 391 do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), no ano, o recluso pode ler 12 obras com intuito de remição. Ele
então faz a produção textual e, se obtiver nota 5 ou mais, recebe 4 dias de
remição.
“Todos os anos disponibilizamos livros
didáticos para estudo. Porém, em 2023 recebemos da Secretaria Estadual de
Educação os Kits Pré-Enem, que foram disponibilizados para todos os reeducando
inscritos. No programa Presídio Leitores, eles realizam leitura, produzem
textos e são avaliados pela banca de avaliadores. Caso obtenha média mínima de
5 a 10 pontos, tem sua média encaminhada para reconhecimento de remição. Cada
livro lido com produção e média mínima, equivale a 4 dias de remição da pena”,
explica.
Agora, é aguardar a abertura de inscrições do
Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que iniciarão em janeiro, para saber se o
número de presos que cursam o ensino superior deve aumentar na unidade.
A preparação é feita com bibliotecas que
foram construídas dentro da unidade, uma no presídio feminino e uma sala
adaptada no masculino. “Todos os livros são de doação, computador adquirido por
projeto de penas pecuniárias e os móveis feitos na unidade penitenciária pelos reeducando.
Em Cruzeiro do Sul, foram 25 presos
inscritos, em que dois faltaram e 13 fizeram o Enem. Dos inscritos, 17 fazem
parte do projeto de leitura.
Por Tácita Muniz, Notícias do Acre