Na última segunda-feira (27), uma
empresa de Inteligência Artificial (IA) relatou que um ataque cibernético
“malicioso em larga escala” limitou temporariamente os registros de
usuários. Após o anúncio, milhões de usuários buscaram o programa nas lojas de
aplicativos de seus celulares, fazendo com que as ações de gigantes da
tecnologia ligadas à IA despencassem. A responsável pelo desafio ao domínio dos
gigantes do Vale do Silício nos Estados Unidos é a chinesa DeepSeek.
Analistas e investidores acreditavam
que a vantagem dos EUA no setor de semicondutores e sua capacidade de limitar
o acesso da China a essa tecnologia garantiriam seu domínio da IA. Contudo, os
esforços não impediram o avanço chinês no setor e a consequente queda das ações
estadunidenses.
Analistas e investidores acreditavam
que a vantagem dos EUA no setor de semicondutores e sua capacidade de limitar
o acesso da China a essa tecnologia garantiriam seu domínio da IA. Contudo, os
esforços não impediram o avanço chinês no setor e a consequente queda das ações
estadunidenses.
A gigante dos microchips Nvidia
despencou mais de 17% no fechamento em Wall Street – a bolsa de valores de Nova
Iorque – o equivalente a 589 bilhões de dólares (R$ 3,5 trilhões) em valor de
mercado, uma das piores quedas da história, segundo a imprensa estadunidense.
Outras empresas do setor de
semicondutores também sofreram quedas: a Broadcoam perdeu 17,4%, enquanto a
holandesa ASML, que produz as máquinas usadas para fabricar os semicondutores,
cedeu 6,7%.
Na última semana, após sua posse, o
presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou investimentos de 500 bilhões de
dólares (R$ 2,96 trilhões) na construção da infraestrutura de IA no país, em
uma iniciativa liderada pelo japonês SoftBank e pela criadora do ChatGPT, a
OpenAI. Com o crescimento da IA chinesa, o SoftBank teve uma queda de 8% na
bolsa de Tóquio pela manhã.
Impulsionado pela queda em Wall
Street, o setor do petróleo, que não está diretamente relacionado ao setor da
tecnologia, também sofreu consequências com a queda nos preços.
A queda se dá pelos investidores
passarem a avaliar a possibilidade de uma solução mais econômica do que as
oferecidas pelos grupos dos EUA para a IA, considerando a alternativa chinesa
para tal.
A DeepSeek
A DeepSeek é uma Inteligência
Artificial criada por uma startup sediada na cidade de Hangzhou, no leste da
China, metrópole conhecida pela alta concentração de empresas tecnológicas, o
que lhe rendeu o apelido de “Vale do Silício chinês”.
Pouco conhecida no exterior, a
DeepSeek já era de grande interesse na China há muito tempo, em especial pela
sua capacidade de contornar as sanções dos EUA destinadas a bloquear o acesso
aos sofisticados chips necessários para a revolucionária Inteligência
Artificial.
Segundo o fundador da empresa, Liang
Wenfeng, um entusiasta da tecnologia convencido de que a inteligência
artificial “pode mudar o mundo”, as restrições impostas por Washington eram o
obstáculo mais difícil de superar: “O dinheiro nunca foi um problema para nós.
O problema é o embargo aos chips de última geração”, declarou.
O prodígio da tecnologia e das
finanças, nascido em 1985, se formou em engenharia na prestigiosa Universidade
de Zhejiang, em Hangzhou. Após anos tentando aplicar a IA em vários campos, em
2015 fundou a High-Flyer, uma empresa de investimentos especializada no uso de
IA para analisar as tendências do mercado de ações. Sua técnica permitiu que
ela atingisse dezenas de milhares de yuans de ativos sob gestão, tornando-a um
dos principais fundos de cobertura quantitativos da China.
“Nós simplesmente fazemos as coisas em
nosso próprio ritmo, calculamos os custos e os preços. Nosso princípio não é
subsidiar [o mercado] ou gerar lucros enormes”, explicou Liang.
De acordo com o Financial Times,
em 2021, Liang começou a comprar processadores gráficos da especialista
estadunidense Nvidia para um “projeto paralelo”.
Em 2023, lançou a DeepSeek, que busca
competir com os modelos de IA dominantes no mercado, como o ChatGPT e a
OpenIA.
Na última semana, apresentou um modelo
de IA de menor custo comparado aos disponíveis no mercado. A DeepSeek afirmou
que gastou apenas 5,6 milhões de dólares (cerca de R$33 milhões) para
desenvolver seu modelo, uma quantia irrisória comparada aos bilhões investidos
por gigantes estadunidenses.
Outra diferença é uma quantidade muito
menor de chips que a de outros gigantes tecnológicos, devido às sanções dos
EUA, e mesmo assim, oferecendo um desempenho considerado como “surpreendente”
por especialistas da área.
Além disso, o DeepSeek, disponível
tanto em aplicativo para celulares quanto para computadores, permite que o
usuário use muitas das funcionalidades que seus concorrentes ocidentais fazem:
escrever letras de músicas, ajudar a desenvolver planos ou até mesmo criar uma
receita com o que se tem na geladeira.
A IA chinesa também consegue se
comunicar em vários idiomas, inclusive o português, mas apresenta mais domínio
no chinês e inglês.
Assim como seus concorrentes
ocidentais, caso do ChatGPT, Llama ou Claude, o DeepSeek se apoia em um grande
modelo de linguagem (LLM), criado a partir de imensas quantidades de textos,
para dominar as sutilezas da linguagem natural.
Mas, diferentemente de seus
concorrentes, que desenvolvem modelos privados, o DeepSeek utiliza código
aberto (“open source”). Isto significa que o código do aplicativo é
acessível a todos, o que permite compreender seu funcionamento e modificá-lo.
Na semana passada, o fundador do
DeepSeek, Liang Wenfeng, participou de uma reunião com o primeiro-ministro
chinês, Li Qiang, o que reflete a ascensão fascinante da empresa.
A China pretende se tornar líder da IA
até 2030 e, para isso, prevê investir bilhões de dólares neste setor nos
próximos anos.
“Competir para vencer”
O presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, afirmou que a ferramenta chinesa é um “chamado de
atenção” para as empresas estadunidenses.
“O lançamento da inteligência
artificial DeepSeek por uma empresa chinesa será um chamado de atenção para
nossas indústrias sobre [o fato de] que devemos nos concentrar em competir para
vencer”, disse Trump a congressistas republicanos em Miami.
Sam Altman, o diretor-executivo da
OpenAI, uma das principais atingidas pela DeepSeek, escreveu na rede social X
que é “legitimamente estimulante ter um novo concorrente”.
Ele classificou o chatbot da empresa
chinesa como “um modelo impressionante, em particular pelo que são capazes
de oferecer pelo preço”.
Jim Fan, encarregado de pesquisas da
Nvidia – que fornece os chips para as tecnologias de Inteligência Artificial –
declarou: “Uma empresa não americana perpetua a missão inicial da OpenAI, uma
pesquisa aberta e pioneira que beneficia a todos”.
“O que constatamos é que o
DeepSeek é o melhor, ou está no nível dos melhores modelos” dos EUA,
disse Alexandr Wang, diretor-executivo da empresa estadunidense Scale AI.
Kathleen Brooks, diretora de pesquisa
da plataforma financeira XTB, reconheceu que “o domínio [estadunidense] está
sendo desafiado pela China”. “A questão agora é se a China pode fazer melhor,
mais rápido e com menos custos que os Estados Unidos, e se podem vencer a
corrida da IA”, acrescentou.
Marc Andreessen, renomado investidor
do setor tecnológico nos EUA, investidor e conselheiro próximo de Trump,
classificou a chegada da DeepSeek como “um momento Sputnik”, em alusão ao
choque no Ocidente em 1957, quando a União Soviética colocou em órbita o
primeiro satélite artificial. “O DeepSeek R1 é um dos feitos mais
incríveis que já vi”, afirmou no X.
Com informações de AFP