Os riscos apresentados pelas mudanças climáticas no Brasil podem
levar à proliferação de vetores, como o mosquito Aedes aegypti e, em
consequência, ao agravamento de arboviroses, como dengue, Zika e Chikungunya. O
alerta é de levantamento na área da saúde feito pela plataforma AdaptaBrasil
vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em parceria
com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). As projeções indicam também expansão da
malária, leishmaniose tegumentar americana e leishmaniose visceral.
O
trabalho levou em conta as temperaturas máxima e mínima, a umidade relativa do
ar e a precipitação acumulada para associar a ocorrência do vetor, que são os
mosquitos transmissores das diferentes doenças em análise. A AdaptaBrasil
avalia também a vulnerabilidade e a exposição da população a esses vetores.
“Uma
temperatura maior, com uma precipitação maior, pode levar a uma maior
proliferação de diferentes mosquitos, insetos que são transmissores dessas
doenças, conhecidas como arboviroses”, explicou à Agência Brasil o coordenador científico da
plataforma, Jean Ometto. “Normalmente, a gente tem ocorrência maior de dengue e
Chikungunya no verão”, observou.
Outro
elemento analisado na plataforma é o quanto a população está exposta e o quão
vulnerável ela é à ocorrência dessas doenças. “A gente percebe que, em
determinadas regiões, pode haver um aumento da ocorrência dessas enfermidades e
populações mais vulneráveis e expostas ficam mais suscetíveis a adoecerem por
essas diferentes doenças”, disse Ometto, acrescentando que a identificação de
que regiões poderão ser mais atingidas depende do tipo da doença.
Problema social
O
coordenador científico da AdaptaBrasil esclareceu que, normalmente, essas
doenças acontecem quando há uma pessoa ou outro organismo animal que possa
estar infectado. Em geral, populações mais vulneráveis, que apresentem
condições de saúde e habitação mais precárias, tendem a ficar mais suscetíveis
a uma ocorrência maior da doença.
“Hoje
já é assim. Mas a tendência é que isso se agrave. A gente vê hoje que muitas
dessas doenças não são exclusivas de populações menos favorecidas. Mas a
ocorrência maior é nessas populações. E isso tende a se agravar”, explicou.
Ometto
alertou que se trata de um problema social “super dramático”, que precisa ser
resolvido.
De
acordo com Ometto, condições melhores de vida, saúde e infraestrutura ajudam e
contribuem bastante para que a população fique menos exposta a essas doenças,
de modo a que possam ser atacadas de forma sistêmica, a partir do planejamento
territorial, de atendimento e de emergência em saúde.
O
Brasil, segundo Ometto, tem uma estrutura de apoio à saúde muito importante,
que é o Sistema Único de Saúde (SUS), bastante singular no mundo. “Só que a
gente não está preparado para situações emergenciais. Quando ocorre um pico de
doença, o país não tem estrutura física que possa atender a todos que estão
doentes. Os postos de atendimento ficam sobrecarregados. Isso tende a se
agravar”.
Atuação ampliada
O
coordenador da AdaptaBrasil defende que essa estrutura precisa ser pensada
dentro de um contexto de amplitude de atuação e de acesso, e melhorada em
termos de infraestrutura, capacidade de atendimento, qualificação das pessoas
que estão atendendo nesses locais, além de planos para que situações
emergenciais possam ser atendidas.
“É
preciso olhar para o sistema de saúde de forma sistêmica, desde a população em
si até os sistemas de atendimento”.
Outra
coisa importante para Ometto, é olhar de maneira preventiva todo o processo, de
modo a identificar quais são os elementos em que pode atuar, seja no controle
de proliferação dos insetos, seja na infraestrutura e qualidade das habitações,
até a situação de atendimento às ocorrências.
“Esse
olhar sistêmico para a saúde é superimportante. E o que vai acabar acontecendo
com as mudanças climáticas é o agravamento. A gente está caminhando para um
outro nível de impacto associado às mudanças do clima”, alertou.
O
coordenador da Adapta Brasil lembra da falta de estrutura observada
recentemente durante a pandemia da covid-19. “Era algo que as pessoas diziam
que podia acontecer, mas, quando aconteceu, não tinha infraestrutura, nem
capacitação dos profissionais, dos equipamentos. Essa analogia é muito
importante e muito válida”, ponderou Ometto.
Ele
chama a atenção que, durante a covid-19, as populações mais impactadas e que
mais sofreram foram as menos favorecidas de alguma forma, as mais carentes.
“Estratos da sociedade que são mais vulneráveis realmente pelas condições
sociais e econômicas”.
O
pesquisador informou que a plataforma está trabalhando, no momento, dados
referentes à dengue e à Zika. Os resultados deverão ser divulgados no início de
2024. Já os dados da Chikungunya estão previstos para lançamento ao longo do
próximo ano.
Impacto
Ometto
explicou que a plataforma apresenta um risco de impacto. “Ela não apresenta uma
situação emergencial nem de ocorrência efetiva. Aponta as condições de
infraestrutura, sociais, econômicas e ambientais em determinado município em
que, em um evento associado às mudanças climáticas, a ocorrência de determinada
arbovirose possa ser maior ou não”.
A
AdaptaBrasil pretende ser uma ferramenta para o planejamento territorial de
ações setoriais, como saúde, considerando a mudança climática como algo que já
está afetando a sociedade brasileira. A plataforma permite ver o risco de que
isso possa acontecer. Dentro dos elementos que compõem, na realidade, o risco
de impacto, como vulnerabilidade e exposição, o gestor municipal pode
identificar os indicadores que levam a um potencial agravamento da situação de
ocorrência de determinada enfermidade. Também a sociedade civil pode se basear
nos dados da plataforma para tomar decisões sobre ações, ou seja, tomar
atitudes para reduzir o nível de risco.
A
AdaptaBrasil trabalha junto com o MCTI e o Ministério do Meio Ambiente (MMA)
para que a plataforma seja uma das ferramentas de apoio ao Plano Nacional de
Adaptação, de planejamento de ações de adaptação, em decorrência das mudanças
climáticas no país.
Expansão
Jean
Ometto esclareceu que, no momento, nesse trabalho feito em parceria com a
Fiocruz, o foco são as arboviroses. A ideia, porém, é ampliar a pesquisa para
ondas de calor, que afetam sistemas cardiovascular e respiratório. “Estamos
entrando esta semana em mais uma onda de calor e devemos passar 70 dias com
temperatura acima da média para o período e que pode afetar, sem dúvida, a
saúde das pessoas”.
O
tema será trabalhado ao longo de 2024, anunciou Ometto.
O
objetivo é trazer informação científica mais atualizada sobre a temática. A
plataforma se baseia em informações científicas para que possa ter um lastro
importante a fim de que as decisões sejam tomadas com base na melhor ciência
existente no país.
Jean
Ometto é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde
atua na Divisão de Impactos, Adaptações e Vulnerabilidades, que estuda a
questão das mudanças climáticas em diversos setores, e um dos maiores
especialistas em impacto e vulnerabilidade de adaptação atualmente no Brasil.
Ele também é membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC) nessa temática.
Por Alana Gandra –
Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro